segunda-feira, 12 de setembro de 2011

11 de setembro: never forget!

11 de setembro: never forget!



Em Nova York, a manhã de 11 de setembro de 2001 parecia ser apenas o início de mais um dia, numa das mais importantes, ou na mais importante cidade do mundo.

Em pouco tempo a surpresa e o terror atingiram Manhattan, por assim dizer o coração da nação norte-americana. As cenas dos aviões, pilotados por terroristas suicidas islâmicos, jogados contra o World Trade Center, ultrapassavam qualquer imaginação e mais pareciam cena de alguma ficção de Hollywood.

A realidade superara a ficção. Os atentados contra as Torres Gêmeas do World Trade Center visaram prédios simbólicos do poderio e do estilo de vida norte-americano e, por conseqüência, do mundo ocidental. Não se tratou de um ato de terror gratuito ou impensado.

Para além de espalhar, desde logo, o pânico, os atentados constituíram uma declaração de guerra (não principalmente bélica), que se revestiu de uma dimensão simbólica e pretendeu causar profundos efeitos psicológicos nos norte-americanos e nos ocidentais em geral.

Em poucas horas o cenário no “ground zero” era de uma destruição – sem exageros – apocalíptica. Destruição captada na impressionante foto que ilustra este post, tirada por Greg Semendinger, da New York City Police Aviation Unit. A história contemporânea dera uma guinada que marcou toda esta década.

Uma guerra para conquistar nossas almas
O que se evolava dos escombros das Torres Gêmeas, além das colunas ameaçadoras de fumaça, dos gritos lancinantes de dor, do silêncio acabrunhador da morte? Definiu-o, naqueles dias, a pena, totalmente insuspeita, da jornalista Oriana Fallacci, uma “laica sem tabus”, como ela mesma se definiu.

Num escrito, que qualificou de um grito para “tentar abrir os olhos de quem não quer ver, desentupir os ouvidos de quem não quer escutar, obrigar a pensar quem não o quer fazer”, a correspondente de guerra – que cobriu quase todos os importantes conflitos do nosso tempo –, invectivava muitos míopes no Ocidente que não queriam entender a guerra religiosa que procurava destruir nossa cultura, nossa arte, nossa ciência, nossa moral, nossos valores:

“Uma guerra a que eles chamam Jihad, Guerra Santa. Uma guerra que talvez (talvez?) não vise a conquista do nosso território, mas que certamente pretende conquistar as nossas almas. O desaparecimento da nossa liberdade e da nossa civilização. O aniquilamento do nosso modo de viver e de morrer. Do nosso modo de orar e de não orar, de estudar ou de não estudar, de beber ou de não beber, de vestir ou de não vestir...” (cfr. A Raiva e o Orgulho, Difel, Lisboa, 2002).

Totalitarismo islâmico e revolução anti-cristã
Mas, afinal, o que inspira o terrorismo islâmico e as correntes político-religiosas que o patrocinam?

Por que motivo tantos grupos da esquerda ocidental – inclusive da “esquerda católica” – não disfarçam sua simpatia por estas correntes e, embora não ousem apoiar abertamente suas criminosas ações, buscam sempre alguma razão que as tornem "compreensíveis"?

O que move tantos jornalistas “engajados” a considerar com aversão a chamada guerra ao terror (omitindo ou minorando qualquer êxito da mesma) e a realçar (com um mal disfarçado comprazimento) qualquer sucesso destas organizações do terror contra as tropas norte-americanas ou de outros países ocidentais?

O que une o totalitarismo islâmico e determinadas correntes políticas, ideológicas e religiosas do Ocidente?

Convido os leitores do Radar da Mídia a lerem um ensaio, bem fundamentado, de autoria de Luís Dufaur (um estudioso da matéria), publicado na revista Catolicismo (nov. 2001), sob o título: A verdade sonegada sobre o fundamentalismo islâmico. A leitura nos deixa entrever que o vírus da revolução anticristã ocidental, inoculado no maometanismo, gerou o monstro fundamentalista:

  • Desde os atentados de 11 de setembro, o grande assunto da mídia é o Islã. Suas múltiplas correntes — enormemente subdivididas — são citadas e comparadas. De forma superficial, especula-se sobre as moderadas e as radicais, e se investigam suas complexas rachaduras étnicas e culturais. Sumidades islâmicas, na verdade totalmente desconhecidas, são apresentadas ao Ocidente e os termos árabes são utilizados como se todo mundo os entendesse. Depois desse bombardeio psicológico, o leitor fecha o jornal — ou desliga a TV — com a sensação de não ter recebido uma informação objetiva e clara da realidade.

    Um aspecto capital da temática parece ser meticulosamente ocultado: o que é, na realidade, esse fundamentalismo islâmico? Identifica-se com Maomé e com o Corão? Caso não se identifique, o que é, então?

    De outro lado, por que a esquerda mais ardida no Ocidente, particularmente a chamada esquerda católica, disfarça mal sua simpatia pelos talebans fundamentalistas? Afinal, por detrás das aparências, existe um fundo comum que une a esquerda progressista ao fundamentalismo islâmico?

    Islã: mundo até há pouco desconhecido e pouco significativo para o Ocidente

    O afluxo de petrodólares, que deveria significar um avanço do progresso moderno nos domínios do Islã, parece não ter eliminado essa paralisia. Apenas um punhado de emires, sheiks e sultões esbanja milhões em luxos exibicionistas, em geral de mau gosto e freqüentemente imorais, enquanto a massa das populações — seguindo os ensinamentos do “profeta” — vegeta à sombra do festim dos hiper-ricaços.

    Tornou-se abismal a desproporção entre a organização e a pujança do Ocidente nascido da Civilização Cristã — embora hoje profundamente apodrecido pelo neopaganismo — e a desordem e imobilismo da pesada herança de Maomé. No século XIX, quase todas as terras muçulmanas estavam sob o controle de nações européias, ricas e dinâmicas.

    Se a paralisia não gera movimento, de onde veio esse dinamismo?

    No início do século XX, nesse magma secularmente esclerosado, eclodiu uma tendência nova chamada fundamentalismo. Ela é ativa, agressiva, modernizada nas suas técnicas, muitas vezes terrorista. E, subitamente, passou a ameaçar a ordem mundial ocidental neopaganizada, ex-cristã, “senhora do universo”.

    Diz o adágio popular que “ninguém dá o que não tem”. Como a paralisia não gera o movimento, dinamismo só poderia vir de quem o tivesse. Um rápido giro pelas biografias dos líderes islâmicos fundamentalistas mostra que eles, em sua maioria, formaram-se em universidades do Ocidente ou em equivalentes escolas ocidentalizadas no Oriente. Seus escritos reproduzem as mesmas idéias que corroem as bases cristãs das nossas sociedades ocidentais. É como se o vírus revolucionário ocidental tivesse sido aplicado num caldo de cultura estagnado, produzindo uma infecção explosiva, com características próprias, mas com a mesma origem ocidental.

    O chefe terrorista Bin Laden é um exemplo característico desse processo de laboratório da Revolução. Filho de milionários, foi educado no seletíssimo colégio Le Rosey, na Suíça. Sua juventude foi a de um play-boy do jet-set, em meio a luxos e escândalos nas capitais ocidentais e na Arábia Saudita1. Sim, do jet-set, tão a gosto das esquerdas, até das tupiniquins.

    Hassan el-Turabi, o ideólogo do regime perseguidor dos cristãos do Sudão, diplomou-se em Oxford e na Sorbonne. Ali Benadi e Abasi Madani, líderes fundamentalistas da Argélia, aprenderam suas doutrinas e técnicas subversivas na Europa. Os sequazes imediatos de Bin Laden também provêm de ambientes cultos e abastados. A lista é interminável...

    O Islã, enquanto crença religiosa, está espalhado por uma imensidade de povos que vão desde o Atlântico até a Polinésia. O fatalismo e a sensualidade exacerbada da religião de Maomé lançaram essa parte da humanidade, em larga medida, no miserabilismo mais radical. Até há pouco, o seu multissecular torpor era perturbado apenas por disputas locais.
    O estudioso francês Roger du Pasquier constata: “Os teóricos de maior autoridade no seio dos movimentos integristas e ativistas engajados do mundo muçulmano, apesar de sua recusa formal e superficial do Ocidente, manifestam na realidade uma contaminação de pensamento das concepções ocidentais modernas”. Que concepções? Ele esclarece: “As das forças subversivas que há dois séculos têm provocado tantas revoluções e violências no Ocidente e no Oriente, até na China” 2. Isto é, o socialismo e o comunismo, não em suas fórmulas já fracassadas, mas em versões mais atualizadas, como veremos. Retenha essa idéia, leitor, e verá que ela pode ser a chave para se compreender muitos dos acontecimentos atuais.

    Promotores destacados da Revolução anticristã no Ocidente vêm se tornando islamitas

    Há anos, figuras engajadas na Revolução político-social e cultural que abala os alicerces cristãos do Ocidente vêm passando para o Islã, sem renunciar às suas idéias. Por exemplo, Roger Garaudy, antigo responsável do Partido Comunista Francês para a relação com as religiões, agora prega o islamismo como via superior para atingir as metas utópicas de Marx e Lenine. Cat Stevens, pop-star do rock, também perverteu-se e financia uma ONG islâmica 3. O mesmo fizeram, entre outros, o ecologista Jacques Cousteau, o coreógrafo Maurice Béjart, os cantores Richard e Linda Thompson, o campeão mundial de boxe Cassius Clay, que ingressou nos Black Muslims, movimento filo-marxista liderado por Malcolm X, outro converso muçulmano.

    Primeiras tentativas de inoculação revolucionária no Islã

    Nos séculos da estagnação, houve tentativas de reacender o furor anticristão islâmico. Mas não passaram de casos restritos. Por exemplo, Muhammad Ibn Abdel Wahhab (1703-1787) formou uma confraria radical — o waabismo — que teria ficado desconhecida se, por ocasião da Primeira Guerra Mundial, os seus escassos seguidores não se tivessem aliado à Inglaterra contra a Turquia. Após o conflito, receberam como recompensa o reino da Arábia Saudita.

    Foi no fim do século XIX e no século XX, que cresceu a penetração das idéias revolucionárias ocidentais no mundo muçulmano. Djamal ed-Din Afghani (1839-1897), a partir de Londres, atiçou a insurreição iraniana. Muhammad Abduh (1849-1905), seu continuador, pregou idéias progressistas européias, de tipo anticolonialista. Na Índia, Sayed Ahmad Kahn (1817-1898), que ostentava o título de Sir inglês, criou o centro de pensamento nacionalista muçulmano, do qual saíram os pais do Paquistão (o país dos puros). Um outro Sir inglês, formado em Oxford, Heidelberg e Munique, admirador de Hegel, Nietzche e Bergson, Muhammad Iqbal (1873-1938), foi quem formulou a idéia e o nome do atual Paquistão. Ele elogiava o marxismo e tentou realizar a síntese do socialismo com a doutrina de Maomé. Seu discípulo, Abdul Ala Maududi (1903-1979), fortemente modernista, pregou uma terceira via entre capitalismo e comunismo, sendo considerado o pai do fundamentalismo paquistanês hodierno 4.

    Da noite para o dia: de Marx a Khomeini

    Na famosa revolução de Khomeini, no Irã, iniciada em 1979, numerosos militantes de esquerda tornaram-se fundamentalistas. O intelectual cristão-marxista Gahli Chuckri narra: “Entre os aspectos que ainda estão presentes ante nossos olhos, figura o fato de se ver pensadores conhecidos pelo seu passado marxista transformarem-se, num abrir e fechar de olhos, em islamitas convictos. Sim, pensadores que pertencem — pela sua ata de batismo — ao Cristianismo, transformaram-se, da noite para o dia, em muçulmanos extremistas; pensadores que pertencem, pela cultura, ao Ocidente e ao modernismo, viraram orientalistas fanáticos sem nenhuma formalidade nem restrição!” 5.

    O Partido Comunista Iraniano (Tudeh) aprovou a revolução dos aiatolás: O conteúdo do processo da evolução histórica toma hoje um aspecto religioso. Para os marxistas, é perfeitamente natural. Esta revolução anti-imperialista, antiditatorial e popular foi feita segundo as palavras de ordem do Islã e sob a direção de um chefe religioso célebre no Irã, o ímã Khomeini” 6.

    Voltando de Paris, Khomeini criou a organização terrorista Hezbollah. O discurso de fundação do organismo foi uma paráfrase do satânico brado de Marx e Engels — “Proletários do mundo, uni-vos”: “Até hoje — afirmou — os oprimidos estiveram desunidos, e nada se consegue na desunião. Agora que foi dado um exemplo da eficácia da união dos oprimidos em terra muçulmana, esse modelo deve ser difundido por toda parte. ... e tomar o nome de ‘partido dos oprimidos’, sinônimo de ‘Partido de Deus’, ‘Hezbollah’. Os oprimidos devem reinar sobre a terra, essa é a vontade do Altíssimo, de Alá” 7. Como se vê, é o velho marxismo vestido de muçulmano.

    Bruno Étienne, professor de islamismo na Universidade de Aix-en-Provence, na França, explica a afinidade entre Marx e o fundamentalismo: “A luta de classes, como Engels a tinha previsto, não desemboca na revolução senão quando ela pode se apresentar em termos religiosos; a finalidade do islamismo radical é bem terrena: criar um reino igualitário que derrube a arrogância dos proprietários” 8.

    Desvendando as profundezas do fundamentalismo

    Nada pesou tanto na gênese do fundamentalismo quanto a associação egípcia Fraternidade Muçulmana, ou Irmãos Muçulmanos. Ela foi fundada em 1928 por um modesto professor, Hassan al-Banna (1906-1949). “A ressurreição islâmica que se manifesta hoje no mundo árabe provém direta ou indiretamente da organização dos Irmãos Muçulmanos”, explica um site islâmico americano que publica a sua biografia 9.

    Numa obra-chave, al-Banna ensina que o dever dos Irmãos é “expandir o Islã a todos os recantos do Globo até que não haja mais tumulto nem opressão e que a religião de Alá prevaleça”. E que o slogan deles deve ser: “A morte nas vias de Alá deve ser a nossa mais prezada aspiração” 10.

    Na Fraternidade, sunitas e shiítas se acotovelam e mantêm uma unidade de ação. Em 1989, o regime de Teerã divulgou um opúsculo que acumulava exemplos de concordância e colaboração de sunitas e shiítas radicais, no seio dos Irmãos. Ele reproduz elogios rasgados da Fraternidade a Khomeini e, vice-versa, exalta al-Banna como grande artesão dessa unidade 11.

    Em seus primórdios, a organização inclinou-se pelas idéias nazi-fascistas, nacionalistas, anticapitalistas e antijudaicas, em moda na Europa de então. Tal componente nunca deixou de existir no movimento fundamentalista, em geral sendo acrescido de outros elementos 12.

    Sayyid Qutb — o ‘Gramsci’ do fundamentalismo — faz a releitura revolucionária do Corão

    Ninguém marcou tanto a Fraternidade Muçulmana quanto Sayyid Qutb (1906-1966). Ele representou para o fundamentalismo o que o italiano Gramsci foi para o comunismo. Fez com Maomé o que o pensador peninsular fez com Marx: uma releitura revolucionária.

    Nos Estados Unidos, Qutb conheceu o renascimento pentecostalista protestante, baseado num retorno aos chamados fundamentos. Daí o fato de o termo fundamentalismo ser aplicado ao novo islamismo, embora este jamais o empregue.

    Qutb revestiu de palavreado corânico as utopias revolucionárias ocidentais. É preciso, segundo ele, que o Islã volte à sua essência primeira, aos seus fundamentos. E reformulou tais fundamentos, parafraseando a doutrina anárquica da desalienação (ninguém deve estar submisso a ninguém).

    Em seu livro-base, ensina: “O Islã é uma declaração geral pela libertação do homem no mundo da dominação por parte de seus semelhantes; a recusa completa do poder de toda criatura, sob todas as formas; a recusa de toda situação de dominação por organizações e situações sobre seres humanos, sob qualquer forma que seja. Quando o poder está em mãos de seres humanos, eles personificam o Criador e, em conseqüência, seus semelhantes os aceitam. Agora isto é desconhecer e expropriar o poder de Alá, devendo ser expulsos esses usurpadores. Isto significa a negação do reinado dos seres humanos, para substituí-lo por um reinado divino sobre a Terra” 13.

    Qutb sabia que um reinado direto de Alá sobre os homens não é praticável. Propunha então um regime intermediário, em que uma organização pouco visível conduzisse os povos até a hora em que todo governo cessaria e os homens viveriam em contato direto com Alá. Portanto, uma concepção análoga à da “vanguarda do proletariado” de Lenine.

    As semelhanças entre o progressismo católico e o fundamentalismo islâmico

    Segundo o Corão, Deus revelou-se primeiro a Abraão. Tendo os judeus prevaricado, comunicou-se a Jesus. Os cristãos também falsificaram a revelação divina. Então, Deus manifestou-se a Maomé. O Corão seria a mensagem definitiva insofismável, e Maomé o último dos profetas.

    Qutb explica a “apostasia” dos cristãos seguindo o pensamento do progressismo ocidental. As primeiras comunidades cristãs, segundo ele, teriam tido um contato direto com Deus, sem intermediários, autoridades nem doutrinas racionais. Mas o reconhecimento de autoridades hierárquicas e de um Magistério teológico e pastoral racional trouxe acatástrofe. E acrescenta: “A maior calamidade foi o triunfo histórico do Cristianismo. Isto aconteceu quando o Imperador Romano Constantino abraçou a ‘nova religião’”. Além do mais, segundo Qutb, sucessivos concílios definiram verdades de fé e reforçaram a autoridade pontifícia 14.

    Qutb via defensores da “verdadeira religião” nos heréticos arianos, monofisitas e jacobitas, que foram excomungados pela Igreja. A “apostasia”, de acordo com sua tese, culminou na Idade Média. Qutb se enfurece contra o monaquismo medieval, a obediência e a castidade praticadas pelos monges e frades. “Foram introduzidos no Credo — acrescenta — dogmas abstratos incompreensíveis, inconcebíveis e incríveis, o mais surpreendente dos quais foi o dogma relativo à Eucaristia, contra o qual se revoltaram Martinho Lutero, João Calvino e Zwinglio, lançando as bases do protestantismo”. Ele também execra a Inquisição, que puniu Giordano Bruno com a morte, e Galileo Galilei com censura eclesiástica 15.

    Nas heresias e nas contestações à Igreja Católica, ele vê sinais precursores de um retorno à mensagem primitiva do Cristianismo, que estaria na íntegra no Islã. “A Europa rebelou-se contra o Cristianismo; a Europa rebelou-se contra os arbítrios dos homens de Igreja”, regozija-se ele. Mas a Europa revoltada ficou tão marcada pela Igreja, que dela não se pode esperar a “salvação”. O europeu, segundo ele, em todos os assuntos raciocina logicamente, faz distinções, por influência da pervertida Igreja 16.

    Missão do fundamentalismo: completar a Revolução anticristã

    Essa é uma das chaves para se entender todo o fenômeno do fundamentalismo islâmico. Estamos diante da etapa culminante do processo revolucionário, denunciado e analisado por Plinio Corrêa de Oliveira em Revolução e Contra-Revolução. Qutb reverencia os “princípios da Revolução Francesa e os direitos da liberdade individual, no início da experiência democrática norte-americana”. Porém, lamenta que “esses valores jamais se desenvolveram plenamente e jamais foram realizados por inteiro. Eles são insuficientes para enfrentar as exigências de uma humanidade em evolução”. A salvação, conclui o ideólogo dos Irmãos Muçulmanos, não virá do Ocidente, mas do Islã. Ele completará o que a rebelião contra o Cristianismo não conseguiu fazer 17.

    “Isto exige uma operação de ressurreição [islâmica que] será seguida mais cedo ou mais tarde pela tomada da direção do destino humano no mundo” 18. “O Islã está destinado para todo o gênero humano: seu campo de ação é a Terra, toda a Terra” 19, numa República Islâmica Universal, sob os eflúvios de autoridades religiosas encobertas pelo segredo.

    Erradicar da Terra qualquer vestígio da Cristandade

    Eis a finalidade do “retorno aos fundamentos”: enxotar da Terra o último perfume da Cristandade que ainda paira nos países outrora católicos. Isto é, os últimos reflexos sobrenaturais na ordem temporal, que se contam entre os frutos mais preciosos atraídos à Terra pelos méritos da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Qutb expõe uma visão bastante clara do processo revolucionário que, desde a decadência da Idade Média, vem corroendo a Civilização Cristã. Porém, acrescenta-lhe um desenlace trágico que muito poucos entreviram: no final da Revolução anticristã não vigorará um mundo de prazeres e liberdades, no qual a ciência e a técnica eliminariam as doenças e a guerra, mas um espezinhamento sinistro, material e mental, sob o látego do fanatismo fundamentalista islâmico.

    A revolução que ultrapassa o esclerosado comunismo

    Quanto à propriedade privada, o professor Olivier Carré assim resume as máximas de Qutb: “No Islã, o proprietário jamais tem o direito de usar ou de abusar do seu bem. No Islã, a propriedade privada é um meio social a serviço das utilidades comuns” 20.

    Mas, então, como explicar o fato de fundamentalistas islâmicos se declararem anticomunistas? O aiatolá Baqir as-Sadr — apelidado o Khomeini iraquiano, executado em 1980 — resolve a dificuldade. Ele sintetiza a doutrina comunista: “O objetivo inconsciente que o marxismo atribui ao movimento da História consiste na eliminação dos entraves no caminho do desenvolvimento das forças produtivas. Este objetivo alcançar-se-á pela abolição da propriedade privada e pela construção da sociedade comunista”. E, a seguir, introduz a crítica fundamentalista: “Então, a História deter-se-á após essa liberação, e todas as potencialidades e o impulso novo do homem deperecerão”. Para evitar que a evolução pare, explica o aiatolá, é preciso um horizonte novo que empolgue os homens para irem além do comunismo.

    Uma Teologia da Libertação para o mundo islâmico

    Esse horizonte novo tem que ser religioso. Diz as-Sadr: “Pôr Alá como objetivo da marcha evolutiva constitui a única estrutura ideológica que pode oferecer ao movimento humano uma energia inesgotável” 21. Nesta perspectiva, os comunistas clássicos representam um esclerosamento e devem ser eliminados. A tarefa agora será feita por religiosos.

    De quebra, o novo horizonte tem outra utilidade. No mundo muçulmano, a autoridade natural e religiosa dos chefes de clãs, tribos e etnias é levada em grande consideração. Para os revolucionários era impossível destruir esse resto de ordem natural apelando para doutrinas laicas modernas, “porque mais cedo ou mais tarde o movimento novo mostrará a sua verdadeira face de inimigo declarado da Religião. Isso trará um grande desperdício de energias e exporá a obra em curso aos perigos que provêm da maioria dos conservadores do mundo islâmico” 22. Essa tarefa só seria viável sob vestes religiosas. Aliás, mutatis mutandis, o mesmo sucede com o progressismo católico, que, para objetivos análogos aos dos fundamentalistas muçulmanos, lançou mão da Teologia da Libertação.

    Das “Mil e uma noites” às trevas infernais

    O fundamentalismo não visa reacender o mundo das Mil e uma noites, dos tapetes fascinantes, dos míticos emires e sheiks do deserto, dos minaretes esguios e elegantes, das mesquitas douradas, do Taj-Mahal. Esse universo de maravilhas reflete lados positivos desses povos que hoje languescem sob o jugo da falsa religião de Maomé. Pelo contrário, o fundamentalismo visa também extinguir essas potencialidades de alma que poderiam desabrochar em civilizações de fábula, caso se convertessem à única Igreja verdadeira, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Ele visa uma terra proletarizada, miserabilista, em contato com os abismos infernais. E para isso, por conveniência, recobre-se de aparências antigas e religiosas.

    Revolução igualitária ocidental inoculada no maometanismo: gerado o monstro fundamentalista

    Roger Garaudy, o ex-dirigente do PC francês que se tornou islâmico, narrou suas conversações com o ditador líbio Muhammad Khadafi, considerado no Ocidente sustentáculo do terrorismo internacional.

    Khadafi ensinou-lhe a “tradução política” do versículo II-136 do Corão: “É uma democracia direta sem delegação de poder e sem alienação. Nada há de se substituir ao povo, nem por meio de partidos nem de parlamentos. Democracia direta através de comitês e congressos populares, que são emanação direta das empresas, das cooperativas agrícolas, das universidades, das aldeias, dos bairros” 23. Em poucas palavras, uma atualização do modelo que os sovietes não realizaram, e que as esquerdas recicladas tentam alcançar sob diversas formas de autogestão.

    Em 1995, Garaudy publicou a obra Rumo a uma guerra de religião? — O debate do século 24, com prefácio do ex-frei e teólogo da libertação, Leonardo Boff. O ex-religioso franciscano elogiava Garaudy como profeta que, com D. Hélder Câmara, teria colocado as bases de uma convergência cristão-marxista anticapitalista. E acrescentava que o fundamentalismo islâmico vive do mesmo fogo libertário da Teologia da Libertação.

    Garaudy anunciou uma “guerra de religião”, não entre a Igreja Católica e o Islã, mas dos revoltados das religiões contra toda forma de autoridade, porque esta seria intrinsecamente cúmplice do capitalismo consumista e hedonista.

    Efetivamente, o fundamentalismo islâmico integra um vasto movimento que ultrapassa os limites do maometanismo histórico. O documentadíssimo Atlas Mundial do Islã Ativista constata que “o renascimento islâmico não é um fenômeno isolado, mas se inscreve num movimento global de recusa do materialismo mercador e midiático, que invade o Planeta há três décadas. Esse movimento tem uma dimensão natural: o da ecologia; e uma religiosa: o retorno ao fundamental” 25.

    O fundamentalismo é objetivamente aliado das forças do caos, que se manifestaram no Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre 26, nas arruaças de Seattle e Gênova 27 e na subversão eclesiástica progressista.

    O fundamentalismo — um fruto do que há de pior no Ocidente — tenta realizar uma síntese com o Alá de Maomé, ao qual se aplicam as palavras da Escritura: “Omnes dii gentium daemonia” (Sl 95-5), (Todos os deuses dos gentios são demônios).

    Essa sinistra convergência lembra a tese de um histórico artigo publicado em Catolicismo, de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “Se Oriente e Ocidente se unirem fora da Igreja, só produzirão monstros” 28. O fundamentalismo islâmico e o pavoroso atentado de 11 de setembro constituem uma espantosa confirmação dessa tese.

Alguém se perguntará que utilidade podem ter essas reflexões, dez anos após os ataques às Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York.

Antes de tudo vejo nelas uma utilidade profilática. A superficialidade de espírito de tantos de nossos contemporâneos, agravada pela sucessão trepidante e desordenada dos acontecimentos, tende rapidamente a esquecer aquilo que não deveria ser esquecido. Por este motivo me abalancei a intitular este post de “11 de setembro: never forget”.

O “nunca esquecer” — com que muitos norte-americanos procuram manter viva a memória da investida que sofreram —, me leva à segunda utilidade. Há dez anos foram as Torres Gêmeas o alvo do terrorismo islâmico. Hoje, as mesmas correntes revolucionárias que inspiraram os ataques do 11 de setembro de 2001, tentam seqüestrar a chamada “primavera árabe”. Nas águas turvas do acontecer político, tomam a dianteira e buscam fazer vingar suas ideologias e implantar seus regimes político-religiosos “jihadistas”, desfazendo os sonhos de “democracia” que pareciam embalar as revoluções do Egito, da Tunísia, da Líbia, da Síria, etc.

Aliás, o hábito de esquecer o que não devia ser esquecido, talvez já tenha afastado da memória de muitos a ameaça dirigida por Osama Bin Laden aos regimes árabes que aceitavam a legitimidade das instituições internacionais, por renunciarem “à única e autêntica legitimidade, a legitimidade que vem do Alcorão”: seriam infiéis que não respeitam a mensagem do profeta e estariam fora do Islã. A ameaça, proferida pouco após o atentado às Torres Gêmeas, uma década depois vai se concretizando.

Por estes motivos, 11 de setembro: never forget!

Notas:1. Cfr. “O Globo”, 25-9-2001; “O Estado de S. Paulo”, 30-9-2001.
2. Roger du Pasquier, Le Réveil de l’Islam, Cerf, Paris, col. Bref, p. 34.
3. http://www.catstevens.com/articles/00009/index.html
4. Cfr. du Pasquier, op. cit., pp. 56-64.
5. Ghali Chuckri, “Al Bayadir”, nº 11, 1-2-82, in Al Hoda — Teheran branch, El sunnismo y el shiismo: una querella artificial y una provocación pérfida, Teerã, 1989, p. 34.
6. Ehsan Tabari, Le rôle de la religion dans notre révolution, “La Nouvelle Revue Internationale”, nº 12 (292), dezembro 1982, pp. 88-89.
7. In Atlas mondial de l’islam activiste, La Table Ronde, Paris, 1991, p. 234.
8. Bruno Étienne, L’islamisme radical, Hachette, Paris, 1987, p. 327.
9. http://www.jannah.org/articles/hassan.html.
10. Six tracts of Hasan Al-Banna, International Islamic Federation of Student Organizations, Kuwait, s/d, pp. 16-18.
11. Al Hoda, op. cit.
12. Veja-se por exemplo: Shaykh Abdul Qader Al-Murabit, Para el hombre que viene, Ediciones Ribat, Granada-México-Chicago, 1988. O autor se auto-intitula sheik, mas é um escocês chamado Ian Dallas. Ele fundou em Norwich o Movimento Morabitun, nome de uma histórica confraria místico-guerreira do Norte da África — os almorávidas. Seus membros são, em significativo número, ex-hippies e cultuadores frustrados da droga. No livro, Abdul Qader justifica o III Reich, e julga que não este não obteve a “libertação” total do homem, devido à oposição judaica-capitalista-usurária. Não critica o comunismo pelo seu lado igualitário e nivelador, mas porque teria sido excogitado por judeus. A “libertação” do homem exige, segundo ele, a extinção do consumismo capitalista. E a via para isso, agora, seria o Islã.
13. Sayyid Qutb, Jalons sur la route de l’Islam, International Islamic Federation of Student Organizations, Kuwait, s/d, 293 pp., pp. 96-97.
14. Sayyid Qutb, Il futuro sarà dell’Islam, International Islamic Federation of Student Organizations (Kuwait) / The Holy Coran Publishing House (Beirut), 1980, 42-44.
15. Id. ibid., pp. 51-57.
16. Id. ibid., pp 63-64.
17. Id. ibid., pp. 63-67.
18. Id. ibid., p. 15.
19. Id. ibid., p. 100
20. Olivier Carré, Mystique et politique — Lecture révolutionnaire du Coran par Sayyid Qutb Frère Musulman radical, Les Éditions du Cerf / Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, Paris, 1984. p. 149.
21. Baqir as-Sadr, sem título, Al-Hoda Teheran branch, Teerã, 1989, pp. 9-10.
22. Baqir as-Sadr, id. ibid., p. 27.
23. Roger Garaudy, Appel aux vivants, Seuil, Paris, 1979, pp. 294-295.
24. Desclée de Brouwer, Paris, 1995.
25. Atlas Mondial de l’Islam Activiste, Institut de Criminologie de Paris — Centre de Recherche sur la Violence Politique, La Table Ronde, Paris, 1991, p. 14.
26. Cfr. Catolicismo, nº 603, março 2001.
27. Cfr. Catolicismo, nº 609, setembro 2001.
28. Cfr. Catolicismo, nº 106, outubro 1959.


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