quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Não só com eleições se faz uma democracia

Não só com eleições se faz uma democracia
Depois do primeiro impacto, o jornalismo engajado com o lulo-petismo tenta passar para segundo plano a vitória do "NÃO" no referendo da Venezuela.

Havia, evidentemente, uma enorme torcida por parte de toda a esquerda para que Hugo Chávez vencesse. E assim, "democraticamente", instaurasse sua ditadura socialista.

Chávez utilizou-se de todos os meios para triunfar, muitos deles bem longe das práticas habituais nas democracias autênticas. Entretanto, perdeu!

Chávez "demonstrou" ser um líder democrático
A derrota deixou as esquerdas, especialmente aquelas alinhadas com o "chavismo", num estado de prostração indisfarçável. Precisavam, pois, conseguir algo que lhes pudesse servir de trunfo nessa situação.

Agarraram-se, então, ao grande "argumento". Ao aceitar a derrota, Chávez teria demonstrado, de modo inequívoco, que na Venezuela, ao contrário do que dizem seus opositores, não há um regime autoritário, mas uma verdadeira democracia.

O argumento é capcioso. Já mostrei aqui, baseado nas palavras do próprio Chávez, como a aceitação da derrota foi um ato voluntarioso, pois o próprio presidente venezuelano descreveu seu "dilema" (leia O misterioso dilema de Chávez).

Além disso, pouco mais de 24 horas decorridas do referendo, Chávez já declarou que, na prática, a vitória não teve alcance nenhum e que ele dará um jeito (democrático?!) de aprovar sua reforma constitucional.

Evitado novo golpe na democracia
O jornalista Ali Kamel, em artigo publicado no Globo (4.12.2007), faz uma brilhante análise a propósito desta atitude velhaca dos meios mais chegados ao lulo-petismo, favoráveis a reformas "chavistas" em nosso país, e, no fundo, cúmplices do regime autoritário que Chávez impôs à Venezuela:

  • A vitória do “não” na Venezuela assanhou os setores antidemocráticos e autoritários aqui do Brasil. Muitos tentaram demonstrar que a derrota de Chávez era a prova de que seus críticos são injustos: a Venezuela seria uma democracia pujante, em que o presidente submete suas idéias ao povo e acata os resultados, tudo muito normal. A vitória do “não” foi sem dúvida uma vitória dos democratas venezuelanos, mas, nem de longe, a evidência de que o regime em vigor naquele país é democrático. O que se evitou ali foi mais um golpe na democracia, o definitivo sem dúvida, mas, para que a liberdade volte a ser uma realidade, o caminho ainda é longo. Já se tornou um chavão, mas é inevitável repeti-lo: eleições são fundamentais numa democracia, mas, por si só, não atestam que um regime seja democrático.

    Depois de eleito em 1998, Chávez, por decreto, decidiu fazer uma consulta popular para que o povo aceitasse ou não a convocação de uma Constituinte, que teria por objetivo implantar a "revolução pacífica bolivariana". O Congresso, eleito apenas um mês antes (portanto, perfeitamente legítimo), decidiu resistir, alegando que o presidente não tinha o poder de fazer tal consulta. Mas a Suprema Corte do país, para agradar a Chávez, não somente autorizou o plebiscito como deu ao presidente o direito de ditar as regras eleitorais para a eleição dos constituintes. O que fez Chávez? Para aquela eleição, acabou com o voto proporcional e instituiu o voto majoritário, em que o vencedor de um distrito leva todos os votos. E mais: nas cédulas eleitorais, proibiu a menção a partidos, mas apenas ao nome ou ao número dos candidatos. Assim, os partidários de Chávez tiveram 55% dos votos, mas, dado o sistema majoritário, obteve 92% dos assentos na Constituinte. Se o voto proporcional tivesse sido mantido, seus oponentes teriam ficado com 45% das cadeiras e não com apenas 7%.

    A Constituinte nasceu com esse vício de origem, o que não a impediu de promover uma escalada autoritária: decretou a extinção do Congresso e procedeu a um expurgo no Judiciário, com mais de um terço dos juízes sendo demitidos sumariamente, sem direito a defesa. O atual Congresso, unicameral, tem 100% de partidários de Chávez, já que a oposição, em protesto contra leis eleitorais que a prejudicavam, boicotou as eleições. Não é à toa que, em janeiro deste ano, os deputados foram unânimes ao aprovar uma excrescência: deram a Chávez, pela segunda vez desde 1998, o poder de governar por decretos por um ano e meio, a contar de fevereiro.

    O Judiciário é outra calamidade. Logo depois da Constituinte, 20 juízes foram indicados para a Suprema Corte, todos, de início, simpáticos ao presidente. Com o tempo, a corte se dividiu, o que levou Chávez a aprovar uma nova lei para o Judiciário, aumentando para 32 o número de juízes, eleitos, por maioria simples, para um mandato de 12 anos. Ou seja, de uma só vez, Chávez poderia indicar juízes em número suficiente para voltar a ter uma maioria folgada. Mas não foi só: a nova lei dava ao Congresso a possibilidade de afastar qualquer juiz cuja conduta fira a majestade do cargo ou solape o bom funcionamento da Justiça, seja lá o que essas duas coisas venham a significar. Com essa espada sobre suas cabeças, como falar em independência dos juízes?

    Num ambiente como este, a Venezuela precisará ainda de muitas vitórias dos democratas para que possamos considerar o país uma democracia.
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6 comentários:

ANDERSON disse...

Chaves foi temporariamente barrado pelo povo, ( principalmente pela classe estudantil)que parece estar acordando de um pesadelo quase sem volta.
A insanidade e a volupia por poder do ditador, virá porém com mais força, pois os mecanismos políticos que engendrou no periodo em que reina absoluto na Venezuela, lhe garante quase que poderes "sobrenaturais".
Mas não deixa de ser uma luz no fim do túnel.
abraços

Anônimo disse...

Muito esclarecedor o post! Parabéns!
Acabo de ler um artigo intitulado "O discurso chavista de Lula" onde este fala no Pará ("Estado da lei e da ordem")sobre a aprovação da CPMF não só a defendendo com unhas e dentes mas com tiros para todos os lados, ofensas, demagogia de botequim(novidade),princípalmente atingindo os "ricos" e a direita.
Que capacidade! Quem é contra é contra os pobres, é contra a erradicação da miséria no país, contra o governo "bonzinho", é golpista, é sonegador etc
O teor da fala de Lula é inegualável, não, engano meu, é comparável ao de seu amigão venezuelano que até usa de palavrões em público.
Estamos no pior dos mundos.
A manipulação dessa turma é violenta e virulenta, amoral e covarde, retrata a que vieram.

Anônimo disse...

"Não só com eleições se faz uma democracia". Sim, As instituições precisam estar fortalecidas e funcionando perfeitamente para que não aconteça o que foi apontado no post. Parece que falamos o óbvio mas é sempre bom falar, explicar, analisar, concluir e estar vigilante num governo de arbitrariedades.

Marco disse...

Caro José Carlos,

O texto de Kamel é primoroso. Aliás, ele tem se posicionado, sobre diversos temas polêmicos, com muita corgem e discernimento.

Mas parece que vão inventar um referendo por aquI, sobre a CPMF. Vejma só!!!!

Faço até um breve comentário no blog sobre esse essa moda bolivariana.

Um abraço.

Letícia Losekann Coelho disse...

Oi fiz uma singela homenagem para o teu blogue lá no meu!!
beijos

Anônimo disse...

Caro J. Sepúlveda
Foi, sem dúvida, uma vitória espetacular do “NÃO” sobre o chavismo. Quando digo espetacular, me refiro a vitória no momento exato, necessário para dar um ‘cala boca’ no bufão que quer – pôr força do verbo e dos paus mandados – impor a sua ‘democracia’ de meia-sola no povo venezuelano. Depois, no futuro, rumar para outros quadrantes da América Latina, como um general da esquerda plantando discórdia e regando com mas intenções a liberdade de expressão e a democracia conquistada à bala e muito sangue.

A vitória do “NÃO” é um importante divisor de águas. Chavèz se enfraqueceu sim, mesmo que mantenha ainda muita força. Porém, perdeu! E o mundo ficou sabendo que a sua suposta liderança, não era intocável.

Foi também um alerta para os vizinhos pretensiosos em derrubar a democracia para erguer a barbáries...
Recado muito bem dado.
Abs